Hoje, recordamos a chegada ao FC Porto do argelino que marcou para sempre o nosso futebol: Rabah Madjer.
Fez, no passado dia 8 de Setembro, 25 anos que Madjer pisou pela primeira vez o Aeroporto Francisco Sá Carneiro. Aproveitando esse facto, o jornal ‘i’ entrevistou o ex-jogador do FC Porto. Aqui fica essa interessante e divertidíssima conversa entre o jornalista do ‘i’ e o homem do ‘calcanhar de Viena’:
- Boa tarde Madjer. Falo de Portugal.
- Boa tarde, amigo. Tudo bem?
- Tudo. Sabe que dia é amanhã?
- 8 de Setembro.
- Isso não lhe diz nada?
- Hãããã... Que falta um mês para eu chegar a Portugal. De férias.
- Pronto, isso é agora. Mas a 8 de Setembro de 1985, o Madjer aterrou no Porto pela primeira vez. Lembra-se? - Sim, claro, no Aeroporto Sá Carneiro. Cheguei com o Lucídio Ribeiro, empresário português que trabalha muito no mercado francófono. Estava um dia cinzento.
Fui para o hotel e daí para o Estádio das Antas, para ver o FC Porto-Penafiel [3-1, com golos de Semedo, Gomes e João Pinto] onde conheci toda a gente. Houve logo química: o presidente Pinto da Costa, Lima Pereira, André, Frasco, Gomes, Futre, Eduardo Luís, Jaime Magalhães, João Pinto, Juary. Tudo gente cinco estrelas.
- E Artur Jorge?- Também, também. Grande senhor do futebol.- Mas vocês tiveram os vossos problemas.- Sim, mas problemas com solução. Por muito bom que seja o espírito de uma equipa de futebol, e o FC Porto era como uma família, há sempre alguém às turras com alguém. Ou o presidente com o treinador ou o jogador com o treinador. São coisas que vão e vêm. E passam. Quando havia esses ‘stresses’, nada melhor que ir almoçar ou jantar.
- Mas isso não se faz diariamente?- Não, digo almoçar ou jantar com a malta amiga. Nesses casos de ‘stresse’, organizávamos excursões à Póvoa de Varzim para comer e relaxar. O André era o líder espiritual desses convívios.
- O André era também o mais divertido do plantel, sempre bem disposto e a contar anedotas. Como o Lima Pereira, outro capitão dentro e fora do campo e sempre pronto a comandar as suas tropas [risos]. Como o Futre, jovem e irreverente como só ele sabia. Resumindo: se houvesse algum ‘stresse’ comigo, eles resolver-me-iam a situação num abrir e fechar de olhos.Percebes?
- Claro. E porquê Póvoa de Varzim?- Invenções do André [risos]. Ele é de lá. Amigo, havia lá um restaurante fantástico. Não me perguntes o nome que não me lembro.- E lembra-se de como entrou na equipa do FC Porto?- Sim, sim. Muito bem. O primeiro jogo foi no Estádio da Luz, com o Benfica, na festa de inauguração do Terceiro Anel. Um jogo particular e empatámos 0-0. A estreia oficial foi também em Lisboa, mas no Restelo. Ganhámos 3-2 ao Belenenses e eu fiz duas assistências para o Gomes. Depois, recebemos o Sporting e vencemos 2-1. Até que veio o tal jogo que me desbloqueou, no Bessa. Foi 2-1 para nós e eu marquei os dois golos, os da reviravolta [Casaca fizera o 1-0]. Pronto, a partir daí, ninguém mais me agarrou.
- Só na Póvoa de Varzim.- Pois é. Olha, daqui a um mês lá estarei. Ao volante do meu Toyota.
- Qual? Aquele que ganhou em Tóquio?
- Esse mesmo. Na final da Taça Intercontinental 1987, fui eleito o melhor em campo e ganhei um carro. Levei-o do Japão para Portugal e desde então nunca mais me desfiz dele. Está lá, guardado na garagem da minha casa, em Vila Nova de Gaia. Tenho o mesmo carro há 23 anos e está como novo. Nunca me deu problemas. Nem um! As marcas japonesas são, de facto, do mais fiável que há. Mas isto é só com carros. Porque já viste o tempo que estava em Tóquio naquele dia? Tudo menos fiável. Na véspera, nublado. No dia do jogo, nevava, nevava, nevava e não parava de nevar. Aquilo era impressionante. E eu que nunca tinha jogado na neve. Nem eu, nem os outros.- Nesse jogo marcou o golo da vitória.- Um grande chapéu quase do meio-campo. Foi o golo que mais prazer me deu, porque significou o título mundial. Mas não foi o mais bonito. Esse foi o de calcanhar...
- Com o Bayern?- Não. A piada é essa. O melhor golo de calcanhar não foi esse, embora seja o mais falado em todo o mundo, porque foi numa final e com o poderoso Bayern. Hoje, se falarem de um golo à Madjer, todos sabem como é. Da mesma forma que ninguém esquece o slalom do Maradona com a Inglaterra em 1986 ou o penálti à Panenka em 1976. Mas a seguir à Taça dos Campeões, ganhámos 7-1 ao Belenenses [26 de Agosto de 1986, primeira jornada do campeonato nacional, na estreia de Rui Barros pelo FC Porto e de Marinho Peres como treinador dos azuis do Restelo], marquei três golos, o último deles de calcanhar, mais bonito que o de Viena. Sabes porquê?
- Não. - Do cruzamento do Jaime Magalhães, recebi a bola com o pé esquerdo e dei com o calcanhar direito.- Mas então esse golo vi-o há poucos dias, na internet.- A sério? Não pode ser. Onde?- No YouTube.- Espera aí, vou buscar papel e caneta para anotar o endereço [espera]. Diz-me lá.- É só ir ao site do YouTube e escrever "fc porto belenenses 7-1".- Mas isso é fantástico. Já ganhei o dia. Obrigado. Vou já rever esse golo. Tenho-o na memória. Agora vou copiá-lo para o computador. E posso mostrar aos meus amigos. Eles não acreditam em mim. Dá para acreditar nisso?